Do Egipto chamei o nazareno – Profecias tipológicas

29/05/2023 15:51
                                  
 
E, levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi para o Egito.
E esteve lá, até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: Do Egito chamei o meu Filho.


Mateus 2:14,15
 
E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno.

Mateus 2:23
 
Sabemos que Jesus veio cumprir todas as promessas e profecias que Deus deu ao seu povo durante o tempo do Velho Testamento. Algumas destas promessas são claras e literais, mas outras são como sombras de realidades maiores que só se revelariam com a vinda prometida do aguardado Messias.
Em Mateus vemos o autor, muitas vezes, explicando como algumas delas se cumpriram em sua plenitude. Mas como sempre, para os críticos que passam mais tempo esquadrinhando a Bíblia buscando possíveis contradições do que analisando a beleza e historicidade da mesma, qualquer coisa é motivo para críticas. As duas passagens que hoje analisamos são um exemplo disso.
 

Mateus 2:15 – o problema

De forma muito simples Mateus 2:15 remete a Oseias 1:11, onde lemos:
Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho.
Oséias 11:1
 
Ora neste caso os críticos são rápidos a reagir e afirmam: "Isto não se refere a Jesus, mas a Israel, logo Mateus se equivoca...."
Sim e é verdade que Oseias literalmente se refere a Israel como nação, mas o que eles se esquecem é que Israel é um tipo, uma sombra de Cristo como “filho de Deus”.
 
Profecia literal vs. profecia tipológica
Acreditar que as profecias do Antigo Testamento só podem se cumprir de forma estritamente literal significa ignorar o uso que os próprios autores inspirados do Novo Testamento fazem do texto bíblico. Mateus, por exemplo, vê o cumprimento profético de Oseias 11:1 (que, primariamente, se refere a Israel) no retorno de Jesus do Egito com Seus pais após a morte de Herodes (2:15). Claramente, para Mateus, Israel era um tipo de Cristo, logo temos um cumprimento tipológico e não literal da profecia.
O mesmo ocorre com o evangelista Lucas, quando afirma que “assim está escrito” que “o Cristo havia de ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia” (24:46). Na mente de Lucas, Israel também é um tipo de Cristo. Por isso ele faz uma aplicação tipológica de Oseias 6:1 e 2 (originalmente feita para Israel). Mais uma vez o autor bíblico não faz uma aplicação estritamente literal, repare-se:
Vinde, e tornemos ao SENHOR, porque ele despedaçou, e nos sarará; feriu, e nos atará a ferida.
Depois de dois dias nos dará a vida; ao terceiro dia nos ressuscitará, e viveremos diante dele.

Oséias 6:1,2
 
Em todo o Velho Testamento vemos numerosos exemplo de tipos de Cristo, como Isaac, José, David, etc. Todos eles têm caraterísticas tipológicas, ou seja, são como sombras e possuem semelhanças com Jesus, mas nenhum deles é completo e por isso vários são usados. Israel, como filho amado de Deus, é também ele usado dessa forma e Mateus faz questão de o indicar, assim como Lucas.
Claro que Israel é retratado como um filho amado, mas que não consegue viver de acordo com espectativas da sua própria redenção, Jesus por sua vez é o filho amado que triunfa em toda a linha onde Israel falhou.
Acresce ainda que em ambos os textos, da Peshita aramaica e no Grego em Mateus 2:15 são usadas as palavras “d’net’male”, no aramaico, e “pleroo”, no grego, que significam: “tornar-se pleno, completar, cumprir, preencher, encher algo em um sentido absoluto…” Em Mateus 2:15, comumente traduz-se como “cumprir”: “…E assim se ‘cumpriu’ o que o Senhor tinha dito pelo profeta…”. Porém, vemos textos, tanto no grego quanto no aramaico, em que as palavras das respetivas línguas (“d’net’male”no aramaico, e “pleroo” no grego) também têm o sentido de “completar”; por exemplo: “Estas coisas vos tenho falado a vós, para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa (obs.: completa – “d’net’male” no aramaico, e “pleroo” no grego).” (João 15:11)
Então, ao invés de entendermos Mateus 2:15 no sentido comum de “cumprir”, entendemos da seguinte maneira:
 E assim se tornou pleno o que o Senhor tinha dito pelo profeta: ‘Do Egito chamei o meu filho.’
Ou seja, a profecia se torna plena em Jesus dando Ele o pleno cumprimento à mesma, e esse foi com certeza o objetivo de Mateus a registá-la.
 

Mateus 2:23 – O Problema

 
E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno.

Mateus 2:23
 
O problema aqui reside no facto de que em nenhum lado do Velho Testamento termos referência ao Messias como vir a ser chamado de “nazareno” e por isso temos mais uma vez uma profecia não literal e sim tipológica.
Vemos ainda que em Mateus 2:23, o autor usa a palavra “profetas” (plural) para expressar o que vários textos proféticos o teriam indicado, o que torna claro que devemos buscar um “tipo” ou ideia que se adeque, pois se diretamente não existe nenhuma ocorrência, terá que ser uma tipologia, uma sombra do Messias que coincida em mais do que um profeta.
E aqui duas soluções se adequam e podem mesmo as duas estarem certas, sendo que dessa forma vemos duas caraterísticas messiânicas apenas com uma única ideia.
1)  O renovo
Alguns apontam para o fato de que Nazaré provém da palavra básica natzer (renovo). E muitos profetas falaram do Messias como sendo o “Renovo” (cf. Is 11:1; Jr 23:5; 33:15; Zc 3:8; 6:12).
“Ele será chamado Nazareno [grego Natzrati].” Sendo que a raiz da palavra no hebraico é a mesma.
O autor bíblico vê um cumprimento pelo sentido, por causa da palavra hebraica netzer em Isaías 11:1: “Do tronco de Jessé sairá um renovo [netzer].”
Para nós isso pode significar pouco, mas no hebraico bíblico a raiz das palavras é algo de grande importância e traz consigo sempre uma conotação direta de certa caraterística. Outros profetas também falaram desse renovo (Jr 23:5, 33:15; Zc 3:8 e 6:12). Para todos os efeitos, a aplicação feita por Mateus está longe de ser literal, ela neste caso aponta para algo “novo” e com “vida” na linhagem humana que trará a sua aguardada redenção.
2)   O Desprezado
Mas pode ainda tal ideia estar ligada ao fato dos “nazarenos” no tempo de Jesus serem um povo desprezado entre os judeus e estes usarem esse termo sempre de forma pejorativa quando queriam desprezar alguém do seu povo.
A cidade de Nazaré, onde Jesus viveu, era um lugar desprezado. Isso ficou evidente na resposta de Natanael: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1:46). Considerando isso, “Nazareno” era um termo de desprezo apropriado ao Messias, a respeito de quem os profetas haviam predito que seria "desprezado e o mais rejeitado entre os homens" (Is 53:3; cf. SI 22:6; Dn 9:26; Zc 12:10).
 
Ou seja, tendo esta duas possibilidades vemos que o facto de Jesus ser chamado de nazareno indicava duas das caraterísticas apontadas pelo Velho Testamento ao Messias: Um renovo (vida) desprezado pelos homens.
Isto por si só representa um paradoxo, mas infelizmente uma realidade para a espécie humana, que despreza a verdadeira vida, preferindo a mentira e a morte.
 

Conclusão

Vendo estes exemplos podemos, portanto, sustentar que nem todas as profecias do Antigo Testamento têm que se cumprir de forma estritamente literal, pois isso seria violar o próprio entendimento que os autores do Novo Testamento possuíam.
Estas profecias revelam verdades maiores que apenas são entendidas por aqueles que buscam a verdade de coração disposto a entendê-la e não são óbvias para todos os outros que de coração endurecido buscam formas de suprimi-la.
Shalom
 

 

Fontes:

“Ele Será Chamado Nazareno” — Mateus Errou ao Citar Essa Profecia?

bibliotecabiblica.blogspot.com/2011/10/ele-sera-chamado-nazareno-mateus-errou.html
 
“Do Egito chamei o meu filho” (Oséias 11:1). O que Mateus (2:15) quis dizer ao citar esta passagem do profeta?
defendendoafecrista.wordpress.com/2015/12/13/do-egito-chamei-o-meu-filho-oseias-111-o-que-mateus-215-quis-dizer-ao-citar-esta-passagem-do-profeta/
 
A origem da mentira do arrebatamento secreto
sites.google.com/site/dodavidbezerragospel/assuntos-apocal%C3%ADpticos/a-origem-da-mentira-do-arrebatamento-secreto