A cura do “servo” do centurião e a homossexualidade - Parte 1- A Harmonização de relatos

07/05/2014 11:55

                                      

A passagem da "cura do servo do centurião" é das melhores passagens para exemplificar ao iniciado em estudos bíblicos o tipo de abordagem que deve fazer às escrituras de forma a entender o modo como elas estão estruturadas e fazer um correto entendimento das mesmas. Sendo assim aproveito o mesmo para expor o tipo de abordagem que deve ser feito a um trecho que apresenta estas características.
A passagem da “cura do servo do centurião” é exposta nos evangelhos de Mateus 8 e de Lucas 7 e existem diferenças nos dois relatos, o que origina que muitos lhes chamem de contradições.
Mas serão contradições?
Amigos, a Bíblia não tem contradições logo é necessário entender realmente o porquê das diferenças, sendo assim qualquer estudante da Bíblia quando confrontado com alguma passagem com estas características deve procurar harmonizar os relatos.
Quando este trabalho é feito, o leitor além de entender melhor o contexto da passagem fica também com uma ideia visual do episódio bem mais clara, pois geralmente evangelistas diferentes dão diferentes perspetivas e nuances aos relatos.
Na verdade este tipo de relato em múltiplos evangelhos além de prover uma visualização mais clara da passagem, prova ainda (como veremos) que não existiu conluio na escrita dos evangelhos pelos diferentes evangelistas, se tivesse existido os relatos não teriam diferenças, sendo isso sim caso para duvidar da existência dos acontecimentos.
 
Uma outra nota importante é que convém que o leitor saiba que os manuscritos originais da Bíblia dos quais foram compiladas as várias traduções atuais, não tinham pontuação.
Ora, isso origina que cada versão possa ter diferenças na construção frásica, pois o tradutor ou escritor tem alguma liberdade na colocação da pontuação, podendo assim originar grandes diferenças na leitura e interpretação dos textos, pelo que para fazer o correto entendimento será necessário consultar várias versões e fazer alguma investigação ao contexto das passagens. A passagem aqui analisada é bem exemplificativa deste fenómeno, por isso não se admirem de encontrarem diferenças nos trechos expostos aqui (que foram retirados da versão nunes3373) dos da Bíblia que têm em casa, mas atempadamente explicarei o porquê dessas diferenças.
Vamos primeiro às passagens:
 
(MATEUS 8)

5 E, entrando Jesus em Cafarnaum, um centurião foi procurá-lo, rogando-lhe,

6 - Senhor, o meu criado está de cama, paralítico, num sofrimento horrível.

7 E Jesus lhe disse:

- Irei eu curá-lo?

8 E o oficial, respondendo, disse:

- Senhor, não sou digno de que entres debaixo do meu teto, mas diz uma só palavra, e o meu rapaz será curado;

9 Pois também eu sou homem sob autoridade, e tenho soldados às minhas ordens; e digo a este: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu criado: Faz isto, e ele o faz.

10 Jesus, ao ouvir tais palavras admirou-se, e disse aos que o seguiam:

- Em verdade vos digo que em nenhum dos Israelitas encontrei tanta fé.

11 Mas eu vos digo que muitos virão do oriente e do ocidente, e se sentarão à mesa com Abraão, e Isaque, e Jacó, no reino dos céus;

12 Enquanto que os herdeiros do reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.

13 Então disse Jesus ao centurião:

-Vai para casa, será como acreditaste. E naquela mesma hora o doente ficou curado.

 
(LUCAS 7)

1 E, depois de concluir todos estes discursos perante o povo, entrou Jesus em Cafarnaum.

2 E o servo de um certo centurião, a quem muito estimava, estava doente, quase à morte

3 E, quando ouviu falar de Jesus, enviou-lhe uns anciãos dos judeus, rogando-lhe que viesse curar o seu servo.

4 E, chegando eles junto de Jesus, suplicaram-lhe com insistência, dizendo:

- É digno de que lhe concedas isto,

5 Porque ama a nossa nação, e ele mesmo nos construiu a sinagoga.

6 E foi então Jesus com eles; mas, quando já estava perto da casa, enviou-lhe o centurião uns amigos, dizendo-lhe:

-Senhor, não te incomodes, porque não sou digno de que entres debaixo do meu telhado.

7 E por isso nem ainda me julguei digno de ir ter contigo; diz, porém, uma palavra, e o meu criado será curado.

8 Porque também eu sou homem sujeito à autoridade, e tenho soldados sob o meu comando, e digo a um:

- Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu servo: Faz isto, e ele o faz.

9 E, ouvindo isto Jesus, se admirou dele, e voltando-se, disse à multidão que o seguia:

- Digo-vos que nem ainda em Israel encontrei tamanha fé.

10 E, voltando para casa os que foram enviados, acharam são o servo doente.

 

Concordância & Harmonização

Antes de abordarmos o porquê da pontuação adotada na versão nunes3373, vamos fazer uma tentativa de harmonização dos relatos provando que o que muitos chamam de “contradições”, estão longe de o ser.
Para  facilitar devemos ter uma Bíblia com concordância temática, isto é, deve ter uma ferramenta que permita relacionar as diferentes passagens sobre o mesmo tema, a versão preliminar nunes3373 ainda não a tem, mas farei uma versão final em que disponibilizarei tal ferramenta.
E importa aqui referir que alguns comentaristas afirmam que um milagre relatado em João 4: "A cura do filho de um oficial do Rei" é o mesmo milagre que analisaremos aqui, mas eu discordo completamente pois as diferenças são muitas - Ver Nota no final*
 
Passemos então à análise dos trechos: 
Mateus 8 apresenta, de forma abreviada e objetiva (embora com diferentes nuances, como veremos na Parte 2), o milagre da cura do “servo” do centurião romano. Lucas 7 descreve o mesmo milagre com detalhes adicionais não encontrados em Mateus. O contraste mais notório entre ambos os relatos, diz respeito à identificação dos interlocutores no diálogo com Jesus. Em Mateus parece que temos o próprio centurião dialogando com Jesus. Já em Lucas é dito que a comunicação ocorreu por meio de dois grupos distintos de mensageiros que o centurião enviou a Jesus. Quando ainda em Cafarnaum, Jesus foi abordado por “alguns anciãos dos judeus”. Estando já próximo da casa do centurião, outros “amigos” do centurião foram conversar com Jesus.
Sendo a descrição de Lucas a mais completa e minuciosa, é natural que ela seja tomada como referencial para se entender a de Mateus. Tanto Lucas, como Mateus mencionam o sentimento de indignidade do centurião em receber a visita de Jesus em sua casa (Lc 7:6; Mt 8:8). Mas Lucas acrescenta que esse mesmo sentimento acabou inibindo o próprio centurião, que era gentio, de se aproximar diretamente de Jesus, que era judeu (Lc 7:7; cf. Jo 4:1-30; At 10).
Por essa razão, o centurião enviou primeiro “alguns anciãos” judeus da sinagoga que ele lhes construíra, os quais disseram ao Mestre: “ É digno que lhe concedas isto; porque é amigo do nosso povo, e ele mesmo nos construiu a sinagoga” (Lc 7:4 e 5). 
O segundo grupo, constituído de alguns “amigos” do centurião, transmitiu a Cristo as seguintes palavras daquele líder militar romano: “Senhor, não Te incomodes, porque não sou digno de que entres debaixo do meu telhado. E por isso, nem ainda me julguei digno de ir ter contigo; porém manda com uma palavra, e o meu criado será curado…” (Lc 7:6 e 7).
Em Mateus 8:9 (e também em Lc 7:8), o centurião revela seu hábito de enviar subalternos para cumprir ordens específicas: “Porque também eu sou homem sujeito à autoridade e tenho soldados às minhas ordens e digo a um: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu servo: Faz isto, e ele faz.” 
O próprio pedido feito a Jesus (“mas diz só uma palavra, e o meu rapaz será curado”, Mt 8:8) corrobora o conceito de que, para o centurião, uma palavra enviada é tão eficaz quanto a própria presença de quem a enviou.
O fato de Mateus afirmar que o centurião dialogou com Jesus não implica necessariamente que esse diálogo não possa ter ocorrido por intermédio de mensageiros, como mencionado por Lucas. Se estudarmos o contexto temporal do relato ficamos a saber que na altura diálogos diplomáticos levados a efeito por intermédio de mensageiros oficiais, eram na época considerados como levados a efeito pelos próprios soberanos que originaram as mensagens transmitidas e na verdade ainda hoje é assim. Creio que esse é o caso no Evangelho de Mateus, que procurou resumir e dar uma outra vertente (como veremos na Parte 2) a esta passagem.
Sendo assim, o diálogo do centurião com Jesus através de mensageiros especiais é descrito nesse evangelho como levado a efeito pelo próprio centurião.
Desta forma o primeiro passo, a harmonização dos diferentes relatos, está concluído, e como vemos responde a várias questões levantadas por céticos.
Iremos na próxima parte fazer uma abordagem mais profunda ao trecho, pontuação adotada no mesmo e qual a sua relação com o tema da homossexualidade.
Um abraço.
 

* Nota: A cura do filho do oficial do Rei- João 4

1. O oficial do Rei Herodes Antipas: filho enfermo em Carfarnaum

Seria ele o famoso centurião de Carfarnaum descrito em Mateus 8:5-13 e Lucas 7:1-10? Muitos comentaristas crêem ser a versão de João do mesmo fato. Todavia, basta comparar os textos para notar as diferenças: 1) Um era centurião, o outro oficial do rei; 2) o encontro de Jesus com o centurião se deu em Cafarnaum, com o oficial do rei em Caná da Galiléia; 3) quem estava enfermo era o servo do centurião, aqui é o filho do oficial; 4) o centurião não se acha digno de Jesus entrar em sua casa, o oficial quer levá-lo à sua casa; e 5) um é elogiado por Jesus, o outro é repreendido (provavelmente por um ser gentio e o outro judeu e logo de quem mais era esperado). Em comum apenas o fato de que se tratava de dois homens de fé. Outros comentaristas dizem que se trata do esposo de Joana, uma das santas mulheres que sustentava o ministério de Jesus. Neste caso seu nome seria Cusa (Lucas 8:3). Seja o que for se tratava de um homem rico e de boa posição social que veio procurar Jesus na sua angústia e aflição de pai.

igrejacristadebrasilia.com.br/sermoes/evangelho-de-joao-o-senhor-das-distancias/

Evangelho de João tem um relato similar de Jesus curando o filho do oficial real, que aconteceu em Cafarnaum, onde também houve uma cura à distância (João 4:46-54). Alguns, como Fred Craddock em seu comentário sobre Evangelho de Lucas,2 trata ambos os eventos como sendo o mesmo milagre. Porém, em sua análise de MateusR. T. France apresenta argumentos linguísticos contra esta identificação.3 Merrill C. Tenney em seu comentário sobre João,4 e Orville Daniel, em sua Harmonia evangélica5 também consideram os dois milagres como eventos separados.

pt.wikipedia.org/wiki/Jesus_curando_o_servo_do_centuri%C3%A3o

 

Fontes:

Como harmonizar o relato da cura do servo do centurião de Mateus 8:5-10 com o de Lucas 7:1-10?